Abril é o mês da Liberdade, relembrando a revolução dos cravos que nos libertou da repressão, controlo e restrição social.
Abril é o mês em que recordamos a importância da soberania.
Embora haja muitas formas de sentirmos e expressarmos o sentimento de liberdade (liberdade de acção, liberdade de escolha, liberdade de expressão, liberdade de pensamento, liberdade de circulação, liberdade de associação...), o verdadeiro sentimento de liberdade é interior! Aceder a ele é um processo de aprendizagem e prática constante.
Libertar-se significa desprender-se dos condicionamentos sociais, psicológicos, fisiológicos, alimentares, familiares e religiosos. Significa colocar-se na condição de observador presente, reverenciando a tudo exactamente como é e não sob uma perspectiva pré-definida pelas experiências passadas ou expectativas futuras.
É reconhecer-se além das percepções cognitivas que o corpo e a mente nos podem dar, livre das amarras que nos aprisionam ao futuro ou ao passado. Ser livre é ser presente!
O Yoga conduz-nos, humildemente, ao momento presente, fazendo-nos reflectir sobre as espectativas que criamos (as nossas prisões mentais) em relação aos efeitos ou resultados das nossas acções.
O Yoga mostra que nos devemos prender somente ao presente e à intenção das minhas acções, para que sejam sempre calmas, amorosas, equinânimes, compreensivas, respeitosas e simples. Nunca aos resultados/efeitos das mesmas. Desta forma, quebra-se a barreira entre razão e emoção, causa e efeito, desejo e vontade, eu e o mundo, e qualquer outro tipo de dualidade. E isto sim, é liberdade. É presença. É uma consciência de atitude. É Mokṣa, o objectivo primordial do Yoga.
Mokṣa é, portanto, um reconhecimento. Mokṣa é reconhecer-se livre. É reconhecer-se além das percepções cognitivas e abdicar, conscientemente, dos condicionamentos que nos aprisionam ao futuro ou ao passado.
Mas se o objectivo final do Yoga é ajudar-nos alcançar a liberdade interior (Mokṣa), isso significa que não somos livres! Então, o que nos aprisiona?
Infelizmente, não somos livres como gostaríamos de ser no âmago do intelecto. Aliás, a pior prisão pode estar dentro de nós!
Milhares de experiências que fazem parte do registo da nossa primeira infância, como rejeições, perdas, contrariedades, medos, foram produzidas sem que pudéssemos controlá-las, filtrá-las, rejeitá-las. Claro que hoje, como adultos, fazemos escolhas, tomamos atitudes, mas as nossas escolhas são pautadas pelos registos guardados no subconsciente, e, portanto, a nossa liberdade não é plena, ao contrário do que afirmara o filósofo francês Jean-Paul Sartre na sua tese filosófica, que o ser humano está condenado a ser livre.
Construímos os nossos pensamentos a partir desta memória. Todas as ideias que surgem da criatividade e imaginação nascem do casamento entre um estímulo e a leitura da memória, que opera em milésimos de segundo. E a memória é um produto de nossa carga genética, do útero materno, do ambiente social, do meio educacional, das relações do nosso Eu com a própria mente e dos karmas acumulados em vidas anteriores (acrescenta a teoria yóguica).
Com base nessa construção, definimos os nossos limites (prisões) através de crenças, medos, gostos, aversões e apegos, que, segundo a Darshana (escola/visão filosófica) do Yoga e do Advaita Vedanta (outra das 6 escolas filosóficas hindus), são os males, as dores Humanas, que nos impedem de perceber a nossa verdadeira natureza, que é livre!
De acordo com estas Darshanas, existem 5 causas específicas para o sofrimento, que impedem o Homem de ser/sentir liberdade, felicidade, plenitude. Estas causas são designadas de Kleshas, que em sânscrito significa "veneno" ou "obstáculo", referindo-se aos estados mentais negativos que obscurecem a mente e resultam em sofrimento.
São eles:
AVIDYA - Ignorância
Esta é a raiz de todo o sofrimento. É a ausência da sabedoria e discernimento espiritual; É uma falta de compreensão fundamental que somos parte integral de um plano maior; É um senso básico de separação do mundo em que vivemos e do nosso criador, o que resulta num contínuo sofrimento e ansiedade existenciais; É a crença de que a vida é limitada à sobrevivência, procriação e hierarquia social, o que nos faz procurar a felicidade fora de nós, repetindo padrões de medos e desejos ao invés de despertar para o nosso verdadeiro ser. Avidya pode ser entendido como a ignorância que possuímos com relação a nossa verdadeira essência. .
ASMITHA- Egoísmo
Se Avidhya é a falta de reconhecimento do nosso verdadeiro ser interior, Asmitha, o egocentrismo, é uma consequência natural – um modo de ver baseado na supremacia do ego e na crença cega na “realidade” da personalidade. Mas como a personalidade é um conjunto de camadas de condicionamento, ela tende para a fragmentação, a dúvida e o sofrimento.
Asmitha é um senso exagerado e desequilibrado de individualidade, uma noção distorcida do eu. Quando percebemos o mundo através de avidhya, tudo se torna uma ameaça, desafio, conflito ou competição. A vida transforma-se num jogo de “eu contra o mundo”. O ego tem a sua função, de fazer-nos relacionar com o meio (vida prática), mas ele deve ser apenas isso, e não o comandante.
RAGA - Apego
O apego também vem da identificação do ego com as suas experiências e vivências, pois à partir do momento que me identifico e acredito que eu sou aquilo, preciso das coisas para me manter, sejam bens materiais, emoções ou sentimentos, e passo a achar que dependo dessas coisas.
DVESHA - Aversão
Aquilo que não me agrada eu tenho aversão. Se eu acho que algo deve ser meu e eu não tenho, eu passo a criar esse sentimento de aversão. Mais uma vez vem da identificação, que gera o egoísmo, que gera o apego e quando eu perco, eu sofro.
ABHINIVESHA - Medo da Morte
Com essa identificação com nosso corpo, com nossa personalidade, com o que estamos, o medo de que isso acabe é inevitável. O medo do desconhecido devido à nossa ignorância em relação à verdade é mais uma vez a raiz de todo nosso sofrimento.
A prática da observação interior, quer seja com mindfulness, meditação ou yoga, ajuda-nos a entender que não somos a mente, que a mente é parte de nós. Quando realizamos isso, começa o caminho para a liberdade.
É, portanto, na relação consciente com a mente que podemos libertar-nos dos condicionamentos criados e implantados desde sempre e que nos impedem de sermos livres e de nos sentirmos em paz, harmonia e plena felicidade.
Todos queremos ser livres, porque de facto essa é a natureza da nossa mente mais pura. É o que de facto nós somos. A meditação visa alcançarmos essa liberdade ao deixarmos de ser escravos das nossas emoções. Mas paralelamente à prática de meditação devemos analisar qual é a verdadeira natureza dos fenómenos e dos pensamentos para que passemos a ter uma visão correcta da realidade.
Sugestões de leitura sobre estes conceitos:
Yoga, imortalidade e liberdade - Mircea Elíade (historiador, filósofo e professor)
Armadilhas da Mente - Dr. Augusto Cury (psiquiatra brasileiro)
O Nobre Caminho Óctuplo: O caminho para o fim do sofrimento - Bhikkhu Bodhi (monge budista)
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