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Raga, a atracção como posição extremista


A partir do momento em que se dá o esquecimento primário, chamado Avidya (YS II.5), surge a individualidade, chamada Asmita (YS II.6), a partir da qual nasce o potencial para o apego, ou Raga, aquilo que se segue à identificação com as experiências prazerosas.


O desejo de possuir, a sede e o anseio pelo prazer ou pelos meios para obtê-lo, precedido da lembrança dessa sensação prazerosa, é apego.

Raga é definido neste sutra (YS II.7) como a atracção que se sente por qualquer pessoa ou objecto, quando qualquer espécie de prazer ou felicidade é derivada daquela pessoa ou objecto. É natural para nós sentirmo-nos atraídos desta maneira, porque a alma prisioneira, tendo perdido a fonte directa de ananda (felicidade) interior, tateia em busca de ananda no mundo exterior, e qualquer coisa que ofereça sombra disso, sob a forma comum de felicidade ou prazer, torna-se querida para ela (Taimini, A ciência do Yoga, 1996).



O prazer, em contexto espiritual, é entendido como experiência agradável e temporária. No entanto, o prazer, por mais agradável que seja, não deve ser confundido com a verdadeira felicidade, que é uma experiência inacta. O prazer é uma forma criada de felicidade que requer a convergência de um desejo com o seu objecto. Mas a verdadeira felicidade surge independentemente das circunstâncias externas e mentais. É a luz do Ser, brilhando sem impedimentos na mente – sem obstruções pelo apego e pela ignorância. Não pode ser criada; qualquer força externa também não a pode destruir. É uma alegria intrínseca. Ela existe e persiste em nós como a nossa Verdadeira Natureza.


Neste perspectiva, o apego está dessincronizado com a natureza da vida, que se traduz numa mudança constante. Apegamo-nos quando sentimos e tememos a mudança. Apegar-se é resistir à vida. É manter esperanças, imagens e uma compreensão limitada de si mesmo e da vida. Muitas das lições e belezas da vida são perdidas quando nos apegamos.


A natureza do apego inclui:

  • Desejo de prazer baseado na satisfação sensorial

  • Perda de perspectiva e objectividade

  • A expectativa de que o que traz satisfação nunca mudará

  • A convicção de que algum objecto ou situação é absolutamente necessário para a felicidade; a busca pela felicidade nas coisas externas



O apego aos prazeres é um obstáculo, mas não é mau em si mesmo! Raga não é uma questão moral. Parece estar embutido no universo e na composição de todas as criaturas vivas, incluindo os humanos. Onde temos problemas com o apego é no grau de intensidade, aquilo que Patanjali denomina como "coloração". Se ficar forte o suficiente para nos controlar, sem restrições, podemos chamar isso de vício ou neurose, no sentido psicológico.


Pense num momento logo após experimentar algo prazeroso. Um bom exemplo é um doce. Observe o que acontece quando coloca um pedacinho do doce na boca. Há uma explosão daquele sabor delicioso, que traz uma alegria emocional. Mas, o que acontece um ou dois segundos depois? Há outra explosão emocional que vem logo atrás do prazer: o desejo de repetir a experiência! Este é o significado de apego, ou raga. Na definição acima, é explicado como sendo sequencial ou como consequência da falsa identificação que precede a ignorância da Verdadeira Natureza. É esta segunda onda de experiência emocional, ou desejo, que constitui o apego. É diferente do prazer do primeiro doce.




Apesar de seres sencientes e dotados de inteligência, torna-se extremamente difícil para o ser humano resistir ao desejo, pois ele está associado ao um processo bio-químico, com a libertação de dopamina, o neurotransmissor que regula o prazer, a motivação, a líbido, a percepção e a saúde intestinal. A sua função é garantir a continuidade da sensação agradável, o que provoca vontade de mais, vício, dependência, apego bioquímico que se traduz em desejo ou impulso (numa perspectiva psico-emocional).


Assim como comer um doce, a memória dessa experiência pode surgir repentinamente noutro momento. Se essa lembrança agradável simplesmente surgisse e depois fosse embora, de volta ao campo mental de onde surgiu, não haveria problema. Porém, há esta segunda onda, acompanhando de perto a memória da sensação agradável de comer o doce, na qual um desejo activo começa a crescer. Mais uma vez, não foi o prazer original do doce que causou o problema e a lembrança dessa experiência não é, por si só, o motivo para o impulso de repetir a experiência prazerosa. O problema está nessa segunda explosão, ou onda, chamada de apego.




Testemunhar este processo secundário no dia-a-dia e durante as práticas de meditação é um exercício extremamente útil, pois fornece uma visão sobre a natureza mais sutil de Raga. Por outro lado, permite desenvolver maior habilidade na aprendizagem do desapego, através de vairagya - a prática consistente, que é uma das duas disciplinas fundamentais do Yoga (YS I.12-I.16). Ao aprender a testemunhar o processo de pensamento desta forma, os kleshas atenuam-se gradualmente, como referido no YS II.4.


Nas práticas espirituais, queremos ganhar domínio sobre os apegos, queremos ser capazes de nos libertar deles, para que possamos experimentar a Verdade que existe para lá dos apegos. No processo de testemunhar, queremos estar conscientes das muitas maneiras pelas quais a mente habitualmente se apega. Se encararmos isso como uma acção natural da mente, será muito mais fácil aceitar, sem sentir que algo está errado com sua própria mente. O hábito da mente de se apegar pode realmente tornar-se divertido, trazendo um sorriso ao rosto, à medida que nos libertamos cada vez mais do apego.


Testemunhar apegos e aversões é uma habilidade necessária a ser desenvolvida para e pela meditação. A capacidade de abandonar a linha de pensamentos baseia-se na abertura e clareza para ver e rotular os pensamentos individuais como coloridos pelo apego.




O tema do apego é central para qualquer discussão da teoria e das práticas do Yoga. A ignorância, a fonte de todos os outros klesas, torna difícil o reconhecimento da Verdade. Os apegos do ego, em relação à vida corpórea, aos seus gostos e aversões, são mais facilmente percebidos e, portanto, mais facilmente abordados.


As experiências prazerosas dependem de circunstâncias que inevitavelmente mudam, e a natureza da maioria das mudanças envolve algum grau ou tipo de perda. E com a perda daquilo que nos trouxe prazer, o próprio prazer vai embora. O medo da perda leva ao apego às experiências prazerosas.


As paixões também modelam a nossa identidade, pois definimos quem somos, enquanto ego, destacando os nossos gostos e preferências, pois é muito mais agradável associarmo-nos a algo positivo, que nos traz a sensação de bem-estar.


Na visão do yoga, devemos desfrutar das coisas prazerosas quando acontecem e deixá-las ir pacificamente quando terminam e cumprem o seu propósito. Podemos apreciar a beleza de um pôr do sol enquanto dura, mas não podemos impedi-lo de se esconder no horizonte. Podemos deixar a mente aproveitar o fluxo da vida, deixar que as alegrias da vida – grandes e pequenas – alimentem mente e alma. Apegarmo-nos a elas não é a melhor estratégia para a felicidade. Para atingir estados mais elevados de consciência, até mesmo o apego a essa felicidade momentânea precisa ser transcendido. A verdadeira felicidade surge quando a mente está pacífica, clara e unidirecionada.


Hari Om

MJ

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