Um dos ensinamentos fundamentais do yoga recorda-nos da importância que os ciclos naturais têm no nosso equilíbrio e bem-estar. Tal como na Natureza, há momentos de actividade e momentos de repouso. Há movimentos de expansão e movimentos de contracção. Há uma dinâmica harmoniosa em constante mutação.
O Inverno é um momento de contracção de uma longa expiração que nos envolve e traz para dentro, para o recolhimento. O descanso permite discernir o que é certo para nós, o seu silêncio permite ouvir o que o nosso ser realmente sente, pois, quando estamos cansados, os nossos sentidos e clareza mental têm uma capacidade limitada.
A passagem para um novo ano civil acontece no pico do Inverno, no apogeu do repouso e recolhimento, tão necessário à nossa natureza enquanto seres terrenos. Não é altura para recomeçar ciclos. Essa energia, a da renovação, ainda não chegou. Ainda não é o momento dessa expansão. Esta era a sabedoria das antigas culturas que se alinhavam com as estações do ano, usando este tempo para reunir forças para a energia da primavera, quando um novo crescimento começa naturalmente.
Actualmente, deixamo-nos levar numa corrente contra-natura, que nos separa, mais e mais, de quem somos. Deixamo-nos apanhar pelo discurso mercantilista que tem apenas como objectivo o lucro e o poder. Esquecemo-nos da simplicidade de se ser naturalmente humano. Esquecemo-nos que somos seres cíclicos com ritmo próprio, que, tal como a terra, a lua, o sol, temos estações e fases. Somos Natureza!
Honrar as estações e os ciclos naturais, relembra-nos que nada dura para sempre, que há momentos e ciclos para tudo, incluindo o repouso. Plantar as sementes pessoais de mudança no inverno não significa correr para florescer — significa deixá-las criar raízes silenciosamente, na quietude.
Honremos a sabedoria da natureza e dos nossos corpos: descansemos no inverno, renovemos na primavera.
Mas, então, por que nos sentimos tão culpados quando paramos de produzir/fazer/agir? Por que temos tanta dificuldade em aceitar que parar, nutrir, repousar é fundamental, faz parte de quem somos neste devir contínuo?
Na verdade, desde a infância que somos levados a seguir ritmos totalmente diferentes do nosso próprio ritmo interno: em bebé alimentam-nos de 3 em 3 horas, somos retirados da segurança e conforto da família para sermos entregues a estranhos profissionais durante o dia, somos forçados a alterar o ritmo circadiano do sono enquanto crianças, nos estabelecimentos escolares iniciamos a doutrinação cumprindo um horário rígido, numa pré-formatação para a vida adulta laboral de 5 dias de trabalho 2 de descanso e, em caso de bom comportamento, mais 25 dias de descanso extra dos 365 que compõem um ano civil de trabalho. Para não falar do ambiente em que vivemos: espaços fechados, artificialmente arejados e iluminados, completamente desconectados da Natureza, vestimos e calçamos materiais cada vez mais artificiais, consumindo exageradamente alimentos, informação, entretenimento, medicamentos, estimulantes, processados... sem nos apercebermos que é tudo isto que nos leva à doença, à decadência, à auto-destruição.
Deixou de haver paciência e interesse pelas coisas simples, no entanto passamos horas agarrados aos ecrãs. Deixou de haver tempo para o descanso, no entanto há mais sedentarismo e stress que nunca.
O nosso sistema nervoso está aprisionado sob os comandos de altos níveis de cortisol. Assim é há tanto tempo que já não sabemos viver de outra forma. O nosso sistema nervoso já não consegue regressar ao estado de repouso, pois é constantemente bombardeado com estímulos stressantes que o colocam em constante alerta. Numa perspectiva científica, o sistema nervoso prospera com base em sinais sazonais. Os dias mais escuros e frios do inverno sinalizam ao nosso sistema parassimpático (descanso e digestão) para abrandar e restaurar-se. Ignorar esta necessidade e pressionar para cumprir com os objectivos de terceiros ou com metas irrealistas e desnecessárias pode levar ao esgotamento e à desregulação.
Correr para nos reinventarmos na quietude do inverno vai contra os ritmos da natureza e é debilitante para o sistema nervoso.
O mundo, hoje em dia, não está feito para repousar, pois em repouso não se produz, não se consome, não se lucra, não se domina!
O verdadeiro poder está nas nossas mãos: criando condições para que, apesar das exigências sociais, profissionais e familiares, corpo/mente possa ter a oportunidade de fazer o que tanto necessita: repousar, desacelerar e rever prioridades.
O yoga e a meditação oferecem essa oportunidade!
Mas eu sou suspeita!
Namaste.
MJ
Comments