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Foto do escritorYoga PuroPrana

Krishnāvatāra, a oitava encarnação de Vishnu

Atualizado: 18 de jul. de 2023


Krishna (Kṛṣṇa em sânscrito) é uma das divindades indianas mais reverenciadas e populares, adorado como a oitava encarnação (avatar ou avatara) do deus hindu Vishnu e também como um deus supremo por direito próprio. Krishna tornou-se o foco de numerosos cultos bhakti (devocionais), que ao longo dos séculos produziram uma riqueza de poesia religiosa, música e pintura.


A palavra em sânscrito kṛṣṇa é essencialmente um adjectivo que significa "negro", "azul" ou "azul-escuro". Como um substantivo feminino, kṛṣṇa é usado no sentido de "noite", "escuridão", no Rigveda. Enquanto nome de Deus, significa "o Todo Atraente", a "Verdade Absoluta" . A palavra 'krish' é a característica atractiva da existência divina, e 'na' significa 'prazer espiritual.' Quando o verbo 'krish' é adicionado ao 'na', torna-se Krishna, que indica a Suprema Verdade Absoluta.


Krishna também é conhecido por diversos nomes e títulos que refletem as suas múltiplas qualidades e actividades. Entre os mais usados, estão Hari ("Aquele que tira" [pecados, ou que afasta samsara, o ciclo de nascimentos e mortes]), Govinda ("Aquele que dá prazer às vacas, à Terra e aos sentidos") e Gopala ("Protector das vacas" ou, mais precisamente, "Protector da vida").


É facilmente reconhecido nas representações artísticas, pois é quase sempre retratado com pele de cor preta ou azul-escura, conforme descrito nas Escrituras, embora em representações pictóricas modernas ele geralmente seja mostrado com pele azul-clara.

Aparece usando um dhoti [1] de seda amarelo e uma coroa de penas de pavão. Noutras representações pode aparecer como um bébé, um menino ou um jovem. Normalmente, está com uma perna dobrada à frente da outra, levando uma flauta aos lábios, esboçando um sorriso misterioso, acompanhado por vacas.


A cena no campo de batalha de Kurukshetra, nomeadamente quando se dirige a Arjuna, momento descrito na obra Bhagavad Gita [2], é outro tema comum para a sua representação. Nessas cenas, ele é mostrado como um homem de dois braços actuando como cocheiro, ou com as típicas características da arte religiosa hindu (tais como braços ou cabeças múltiplas) e com os atributos de Vishnu, como a roda do chacra.


Sempre alegre, ele é o pregador do Karma Yoga (o caminho para a unificação com Deus através do trabalho sem apego) e ele próprio é um Karma Yogi perfeito, realizando trabalho incessantemente ao longo da sua vida com alegre desapego e abandono, sem buscar frutos das acções para si mesmo. É com essa autoridade prática que ele passa os ensinamentos do Karma yoga ao príncipe Arjuna, num episódio retratado na obra Bhagavad Gita [2], que é considerado um tesouro filosófico amplamente lido e adorado por pessoas em todo o mundo, ultrapassando as barreiras religiosas.


Ao contrário de Rama, um avatar muito reverenciado no Yuga (era) anterior, Krishna estava plenamente consciente da sua divindade e nunca o tentou esconder. Em todas as ocasiões certas e oportunas, Krishna demonstrou os seus atributos divinos e poderes sobre-humanos, usando-os para humilhar os seus oponentes, destruir os malfeitores e instantaneamente resgatar os seus devotos em perigo. Por isso mesmo, o avatar de Krishna é considerado um “Poornavatar” — um avatar no qual as qualidades Divinas foram manifestadas plenamente.


Ele era ao mesmo tempo o jogador pelas regras e também o senhor das regras - e em virtude desse senhorio, um infrator das regras também, pelo bem do mundo. Krishna é mais passível de compreensão para aqueles que o amam e se entregam a ele do que para aqueles que o analisam.



O Nascimento e a infância de Krishna

Segundo os textos clássicos, em especial o Bhagavad Purana, Krishna nasceu no clã Yadava, filho de Vasudeva e Devaki, que era prima de Kamsa, o perverso rei de Mathura (a moderna província indiana de Uttar Pradesh). Baseado em dados das escrituras e cálculos astrológicos, a data de nascimento de Krishna, conhecida como Janmastami, é o dia 18 de julho de 3228 a.C., na era de Dwapara Yuga.


O rei Kamsa tinha subido ao trono após mandar prender o próprio pai, Ugrasena (rei da dinastia Boja). Kamsa pertencia à classe dos Kshátrias [3], mas que, de algum modo, se havia desviado do Dharma universal. Ele se tornou muito poderoso e as pessoas na terra, assim como os Devas (os seres celestiais), sofriam imensamente sob o seu domínio tirânico. Movido pelas orações sinceras dos sofredores, o Senhor Vishnu decidiu nascer na forma humana e aniquilar as forças do mal lideradas por Kamsa.


Entretanto, o rei Kamsa fora avisado pelos seus astrólogos de que a sua morte seria causada pelo oitavo filho que nasceria da sua irmã Devaki. Para o evitar, Kamsa mandou prender Devaki e seu o marido Vasudeva e cada filho do casal que nascia era morto por Kamsa, que, mesmo sabendo que a profecia se cumpriria apenas no oitavo filho, não tinha piedade de nenhum e matava-os todos.


Quando o oitavo filho de Devaki nasceu, de seu nome Bhagavan Seri Krishna, à meia-noite, os céus rugiram e o deus Vishnu ordenou a Vasudeva que levasse a criança para o outro lado do rio Yamuna, onde ficava a vila de Gokula, uma comunidade de pastores de gado bovino, pertencentes ao clã Yadava nas margens do rio, para se tornar o filho adoptivo de Yasoda, esposa de Nanda, o líder dessa comunidade. Lá, Vasudeva trocaria Krishna pela filha de Yasoda, que nascera no mesmo momento.


Vasudeva assim fez; acomodou a criança numa cesta e, quando se dirigiu às portas da prisão, encontrou-as abertas, como por magia. Chegado ao rio, viu que as águas se abriam para a sua passagem, dividindo o rio. Ao chegar à vila, Vasudeva fez a troca, voltando logo depois para a prisão com o bebé de Yasoda.


Quando Kamsa soube do nascimento do oitavo filho, dirigiu-se à prisão como de costume e quando levantou a criança para matá-la, a menina, de seu nome Maya, libertou-se e voou para longe rindo às gargalhadas. Kamsa ficou chocado.


O pequeno Krishna cresceu alegremente na companhia de rebanhos de vacas em Gokula. Era a criança mais bonita e graciosa da comunidade. Quem o conhecia derretia-se de amores por ele. Era também uma criança vivaça, cheia de energia, muito travessa. Adorava roubar manteiga e comê-la na companhia de outros pastores de vacas.



O Jovem Krishna

Quando jovem, o vaqueiro Krishna tornou-se conhecido como um amante. O som da sua flauta levava as gopis (esposas e filhas dos vaqueiros) a deixarem as suas casas para dançar em êxtase com ele ao luar. Entre todas, a sua favorita era a bela Radha. Este amor das gopis por Krishna nunca foi carnal, mas sim o anseio espiritual das almas individuais (jivatmas) pela alma divina (paramatma).



O amor Radha-Krishna sempre foi uma fonte de inspiração para o movimento Bhakti dos Vaishnavaites (adoradores de Vishnu) do leste da Índia, pois este amor representa simbolicamente o desejo de “yoga” (união) da alma individual com a alma Suprema.


Para onde quer que fosse, o som da flauta de Krishna era extremamente cativante, não apenas para os humanos, mas também os para animais. Todos eram atraídos pela sua melodia e encanto musical.


Entretanto, Kamsa envia vários demónios poderosos, disfarçados, para procurar, localizar e matar o menino que escapou da prisão. O jovem Krishna encontrou-se com todos eles (Putana, Sakatasura, Bakasura, Trinavarta, Vatsasura, Aghasura etc) e matou-os a todos, como se fosse uma brincadeira de criança.



Quando Krishna se tornou um jovem adulto, partiu para Mathura para enfrentar o seu tio Kamsa e destruí-lo. Krishna superou vários obstáculos em Mathura e finalmente matou o seu tio num combate feroz, libertou os seus pais da prisão e devolveu o trono a Ugrasena.


A história diz que Krishna se casou com Bhama e Rukmini e, mais tarde, na sequência de uma vitória sobre rei demónio chamado Bhaumasura, morto por Krishna, este teve que se casar com 14.000 mulheres que tinham sido raptadas pelo asura (demónio), para que estas não fossem discriminadas socialmente, uma vez que, aos olhos da sociedade, elas perderiam sua honra por terem estado sob a custódia do rei demónio, caso não voltassem a casar. A história conta que Krishna usou sua divina maya (ilusão) para estar simultaneamente presente com todas as suas esposas em seus respectivos lares e levar uma vida feliz com todas elas. Proezas divinas!!



Krishna e o Bhagavad Gita

Entretanto, os seus primos maternos - os Pandavas, liderados por Yudhishtira do clã Kuru, enfrentavam muitas dificuldades para reivindicar a sua parte legítima no reino de Hastinapur aos Kouravas. Os Pandavas conheciam bem a natureza divina de Krishna, e por isso veneravam-no, pedindo-lhe ajuda e orientação para superar os seus problemas. Krishna interveio frequentemente na vida dos Pandavas para os proteger e também usou as suas habilidades diplomáticas para estabelecer uma trégua entre os Pandavas e Kouravas. Mas os Kouravas não tinha respeito pelo Dharma nem por Krishna.


Finalmente uma grande guerra estourou entre Pandavas e Kouravas. Reis de todo o subcontinente tomaram partido de um dos clãs, de acordo com seus relacionamentos e temperamento e participaram na grande guerra do Mahabharata. O Dharma estava obviamente do lado dos Pandavas e Krishna ofereceu todo um exército para participar da guerra do lado dos Kouravas e ele próprio, sem pegar numa única arma, do lado dos Pandavas, com Arjuna na liderança. Krishna ofereceu os seus serviços para ser o cocheiro de Arjuna durante a guerra.



Já no campo de batalha, em Kurukshetra, Arjuna ficou nervoso. Ele sentiu que era inútil travar uma guerra contra os seus próprios parentes de sangue e outros superiores, anciãos respeitáveis, professores e mestres no campo oposto. Foi nessa altura que Krishna revela o seu grande discurso espiritual a Arjuna, registado na sagrada escritura Bhagavad Gita. Nele, Krishna transmite os ensinamentos do Karma Yoga - o caminho para atingir o maior objectivo da vida por meio da acção altruísta, entregando todos os frutos das acções aos pés do senhor. No Bhagavad Gita, ele também elabora os outros caminhos espirituais, como o Bhakti Yoga e Jnana Yoga.


Bhagavad-Gita significa “Sublime Canção”, “a canção (Gita) de Deus (Bhagavan) ou ainda “canção do bem-aventurado”. Trata-se de um capítulo do Mahabharata, um dos mais longos épicos clássicos indianos, que é tido entre os praticantes como o texto sagrado mais importante do hinduísmo e discorre sobre as três metas da vida humana (trivarga): dharma (o que define a ordem moral e social de todos os seres), artha (sustento, desenvolvimento económico) e kama (vivência de toda forma de prazer).

Após cumprir essas metas, o homem está apto a alcançar o moksha, ou seja, a iluminação espiritual ou plenitude. As três metas são como degraus para o moksha.


Apesar de ser um pequeno capítulo do Mahabharata, Bhagavad-Gita consegue transpor, em seus curtos versos, os ensinamentos de todos os Vedas. No diálogo que compõe a obra Krishna explica a Arjuna o real sentido da batalha: é um conflito interno, que enfrentamos no dia-a-dia e é fruto dos nossos problemas existenciais.


Arjuna representa cada um de nós, pois também nos questionamos se somos capazes, se estamos preparados. Os seus questionamentos são os nossos questionamentos perante a vida, o medo da tomada de decisões, de nos livrarmos de alguns vícios, de fazer o que é certo, mesmo que isso tenha um custo. Porque escolher é ganhar e perder. Krishna, como condutor da carruagem, simboliza o conhecimento, que guia o guerreiro na sua jornada. Os Pandavas são as nossas qualidades essenciais, valores, aquilo que temos de mais nobre. Em contraposição, os Kouravas são as nossas más índoles, defeitos, falhas. Ambos são partes daquilo que cultivamos e em relação às quais temos afeições, mesmo sabendo que nos são prejudiciais. É por isso que se torna difícil desfazer de um mau hábito. Ainda assim, é importante a sua existência para que valorizemos e fortaleçamos as nossas virtudes.


O ilustre diálogo do Bhagavad Gita, ensina valores perenes, atemporais e desprovidos de subjectividade, aquilo que podemos chamar de ética, ou dharma, valores essenciais para qualquer pessoa, em qualquer circunstância, independentemente de religião, filosofia de vida, época ou região.


Esses valores compõem o que podemos chamar de Código de Krishna:

  • Amanitvam: ausência de vaidade, arrogância ou necessidade de ser elogiado;

  • Adambhitvam: ausência de pretensão;

  • Ahiṁsā: não violência;

  • Kṣānti: pacífica adaptabilidade;

  • Arjavam: retidão;

  • Acāryopāsanam: dedicação ao mestre;

  • Śauchan: purificação;

  • Sthairyam: firmeza de propósito;

  • Ātma-vinigraha: comando sobre o pensamento;

  • Indriyartheśu vairāgyam: desapego em relação aos objectos dos sentidos;

  • Anahaṅkāra: ausência de identificação com as coisas do ego;

  • Janmamṛtyujaravyādhiduḥkhadośānudarśanam: reflexão sobre as limitações do nascimento, a morte, a velhice, a doença e a dor;

  • Aśakti: ausência de apego à ideia de posse;

  • Anabiśvaṅgaḥ putradaragṛhādiśu: equanimidade afectiva;

  • Nityam samacittatvam iśtaniṣṭopapattiṣu: equanimidade constante;

  • Bhaktir avyabhicāriṇī: devoção inabalável;

  • Viviktadeśa sevitvam: apreço por um lugar tranquilo;

  • Aratiḥ janasamsadi: apreço pela solitude;

  • Tattvajñānārthadarśanam: foco e clareza na verdade;

  • Adhyātmajñāna nityatvaṁ: disposição contínua para o autoconhecimento.



Segundo as Escrituras hindus, o desaparecimento de Krishna ocorreu na meia-noite de 17 para 18 de fevereiro de 3 102 a.C. e marca o fim de Dwapara Yuga e o início de Kali Yuga, a era da hipocrisia e das desavenças. Devido à presença de Krishna no planeta, o demónio Kali não se atreveu a manifestar-se em toda a sua força. Mas nesse mesmo dia, Kali regressa ao mundo cometendo o delito de ferir uma vaca - justamente o animal preferido de Krishna.



 

[1] pano retangular sem costura, com cerca de 4,5 metros de comprimento, que se prende à volta da cintura e das pernas, semelhante a uma longa saia.

[2] uma das maiores escrituras do hinduísmo. Bhagavad gita é capítulo mais importante e estudado do épico Mahabharata.

Link para aceder à obra completa em pdf:

[3] casta indiana, equivalente à nobreza, constituída pela ordem dos altos postos militares, na sua maioria governantes do tradicional sistema social védico-hindu, e suas famílias, tal como definido pelos Vedas e pelo Código de Manu.

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