Kalki avatar é a última encarnação do Deus Vishnu, mas que ainda não tomou forma na terra. Assim, tal como na maioria das crenças religiosas, existirá um salvador que irá repôr a ordem e a moral, devolvendo à terra e aos homens paz e felicidade.
De acordo com a linha de tempo hindu, a última era cíclica, Kali Yuga, a que vivemos actualmente, iniciou-se por altura da batalha Kurukshetra [1], o terrível evento descrito no Mahabharata, que marcou o fim da era Dvapar Yuga e o início de Kali Yuga, à cerca de 5.000 anos atrás. Kalki avatar virá, de acordo com as escrituras sagradas [2], no final desta era, Kali Yuga. Assim, Kalki é aquele que dá fim ao ciclo presente, em que estamos mergulhados na ignorância, no egoísmo e na busca de conforto e prosperidade material, marcando o início de um novo ciclo de tempo, a idade da verdade, Satya Yuga, durante a qual prevalecerão, novamente, a harmonia, a paz e a felicidade.
O nome Kalki deriva da raiz sânscrita Kal que significa tempo, eternidade ou morte, como forma simbólica de destruição das impurezas, escuridão, ignorância. Acredita-se que Kalki seja o destruidor do mal e o prenúncio de uma nova era de iluminação e rectidão. A sua figura de guerreiro divino montado num cavalo branco, empunhando uma espada, são os seus símbolos de poder e intervenção divina no mundo.
As imagens baseadas na descrição feita na obra Viṣṇu Purāṇa, descrevem Kalki com pele da cor de uma nuvem de chuva escura, forte e musculoso. Ele usará uma coroa na cabeça, o seu rosto será tão luminoso quanto o sol e empunhará uma espada, que representa o discernimento, a capacidade de separar o equívoco e a realidade. Acredita-se também que ele usará ornamentos deslumbrantes e roupas enfeitadas com jóias. Em algumas representações, Kalki está montado num cavalo branco alado, de seu nome Devadattā, simbolizando a velocidade com que restaurará a ordem e a harmonia no mundo. A chegada de Kalki é considerada um símbolo da vitória final do bem sobre o mal, especialmente numa época de grande caos e turbulência, com o mundo atormentado pela violência, corrupção e maldade.
O nascimento de Kalki
Brahma e os deuses terão de voltar a abordar Vishnu em busca de protecção contra os males perpetrados na terra na era Kali Yuga. Depois de ouvir os relatos de violência e injustiça, Vishnu promete nascer como Kalki na família de Sumati, sua mãe, e Vishnuyasha, seu pai, um nobre bramane (sacerdote), numa aldeia chamada Shambala, no décimo segundo dia durante a quinzena da lua crescente.
Shambala, também conhecida como Shangri-la, é um lugar místico, o paraíso na terra, constantemente mencionado em textos antigos, incluindo Kalachakra Tantra (um texto budista), e em culturas como a de Zhang Zhung, que espalhou o budismo tibetano no Tibete ocidental. A palavra tem uma raiz sânscrita, que significa “lugar de paz” ou “lugar de silêncio”. Diz a lenda que apenas pessoas com um coração puro podem viver neste lugar, situado algures na cordilheira dos Himalaias, onde reina o amor e a sabedoria e onde as pessoas são imunes a sofrimentos ou mágoas. Nos textos hindus, diz-se que Shambala é o local de nascimento de Kalki.
É neste paraíso perdido que, ainda jovem, ele aprende todas as escrituras sagradas, incluindo dharma, karma, artha e jnana, e também recebe treino social e militar, sob a tutela do imortal Parashurama (a sexta encarnação de Vishnu). Kalki é devoto de Shiva, que fica satisfeito com a devoção e lhe concede várias dádivas: um cavalo branco divino, Devadatta, que é uma manifestação de Garuda[3]; uma espada afiada, poderosa e forte, com um cabo enfeitado com jóias; um papagaio chamado Shuka, que é um onisciente; o passado, o presente e o futuro. Mas Kalki será presenteado com mais dádivas provenientes de outros deuses e reis justos, tais como armaduras, conhecimento e poderes de luta. Lutará em muitas guerras, acabando com o mal, exterminando todos os asuras (seres malignos e demoníacos) da face da terra e suas linhagens.
Kalki então retornará a Shambhala, a sua terra natal, para governar, inaugurando um novo ciclo de tempo, uma nova era, para o bem da Humanidade. Kalki deixará a terra para ir para Vaikuntha (o reino dos deuses) quando seu dharma (dever/missão) estiver concluído.
A Missão de Kalki
Kalki é aquele que ainda não veio. A sua aparição aparece, injustamente, ligada à dissolução e ao apocalipse, tendo sido, equivocadamente, associado à violência e belicosidade. Mas, na verdade, as previsões que os textos clássicos fazem indicam Kalki como o restaurador da justiça e daquilo que é correcto, como o destruidor do egoísmo, da violência e dos abusos, como vencedor dos usurpadores do poder e da má governação e como construtor de uma sociedade mais justa.
Porém, a sua missão mais nobre será iluminar com seu ensinamento uma Humanidade sedenta pelo conhecimento libertador, “tornando as mentes claras como o cristal”.
“Quando as práticas sancionadas nos Vedas e as instituições que sustentam o dharma tiverem quase cessado, e o fim da era do conflito (kaliyuga) for iminente, uma manifestação do Ser Divino que existe na própria natureza essencial sob o aspecto de Brahman, aquele que é o início e o fim, e que abrange todas as coisas, descerá à Terra (…) sob a forma de Kalki, dotado dos oito poderes paranormais.
“Destruirá, por seu poder irresistível, todos os delinquentes e ladrões e todos aqueles cujo espírito esteja devotado à injustiça.
“Restabelecerá a justiça sobre a Terra e os espíritos daqueles que vivem no fim da idade de Kali serão despertados e por tal maneira se tornarão transparentes, como o cristal.
“Aqueles que assim forem transformados, pela virtude desta época particular, serão as sementes dos novos seres humanos, e darão nascimento a uma sociedade que seguirá as leis da kṛtayuga, a era da pureza.”
Viṣṇu Purāṇa, IV:24.
Em retrospectiva, recordando as anteriores e mais importantes encarnações de Vishnu:
Kṛṣṇa veio para lembrar, no diálogo como o guerreiro Arjuna plasmado na Bhagavadgītā, o quanto é fundamental conhecer o próprio dever para levar uma existência tranquila e feliz, apesar das dificuldades inerentes à própria condição humana.
Buddha encarnou para relembrar à Humanidade a importância de uma vida dármica, da compaixão e falou sobre a necessidade de abandonar as formas ritualísticas ocas.
Comparando Kalki com estas últimas duas encarnações divinas, percebemos que ele virá para lembrar da importância do discernimento. O papel de Kalki , portanto, não precisa ser interpretado necessariamente como o destruidor ou aniquilador do mundo corrompido pela ausência de valores, mas como aquele que destrói a ignorância. A espada, um dos principais atributos de Kalki, está associada ao discernimento, à capacidade de separar o certo do errado, o que tem valor daquilo que não tem. Assim, podemos considerar Kalki um educador, alguém que virá para instruir a Humanidade e relembrar-nos daquilo que é verdadeiramente importante.
Nas últimas décadas, astrónomos e astrólogos têm vindo a confirmar as previsões dos textos clássicos, afirmando que a terra está sob a influência de energias cósmicas, provenientes de outras galáxias, e levarão a terra a sofrer alterações no seu nível de vibração. A própria posição dos planetas para as próximas décadas é de um finalizar de ciclo, para entrar na nova era, que traz muitas mudanças e diferentes nomes: Era de Aquário, Era Dourada, Era do Ser. Muitas sociedades e profecias falaram deste momento de grande salto na evolução da Humanidade!
Se estamos todos a viver este momento na história da evolução da espécie humana, todos fazemos parte da geração da transição. Isso exigirá cada vez mais esforços construtivos, lembrando que estes devem começar dentro de nós!
[1] A batalha de Kurukshetra é a grande batalha descrita nas obras Mahabharata, em especial no capítulo designado Bhagavadgītā, na qual se confrontaram dois clãs de famílias próximas, os Kauravas e os Pandavas, na luta pelo trono de Hastinapura, uma região no norte da Índia, no actual estado de Haryana.
[2] GāruḍaPurāṇa e BhagavataPurāṇa
[3] Garuda, a águia, é uma figura mitológica híndu, originariamente um pássaro solar, brilhante como o fogo. É a montada do deus Vishnu em algumas das suas encarnações, como em Rama avatar.
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