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Guṇas - as qualidades essenciais da Natureza

Atualizado: 18 de jun.


Guṇa é uma palavra sânscrita que se traduz como “qualidade, peculiaridade, atributo ou tendência”. Segundo a Medicina Ayurveda e a filosofia hindu, um guṇa é um tattva, ou seja, um elemento da realidade que pode afectar os nossos estados psicológicos, emocionais e energéticos.


Os Guṇas, são três qualidades essenciais da natureza que influenciam tudo o que existe no universo, desde a mente humana, personalidade, comportamentos e estados emocionais, aos fenómenos naturais expressos em energia, matéria e consciência.


Neste artigo, vamos conhecê-los e aprender como equilibrá-los para uma vida mais saudável e feliz.



Para entender a natureza dual da experiência humana, a antiga escola de filosofia indiana chamada Samkhya (cuja tradução do sânscrito é “aquilo que resume”) divide a realidade em duas categorias: o conhecedor (Purusha) e o conhecido (Prakriti).


Na cosmologia desta visão filosófica, à qual o yoga também vai beber, toda matéria do universo surge do substrato fundamental chamado Prakriti, da qual emergem três Guṇas primários (qualidades de energia), criando os aspectos essenciais de toda a natureza. São eles:

  • Tamas (inércia),

  • Rajas (movimento) e

  • Sattva (equilíbrio).


A consciência e a manipulação consciente dos guṇas são uma forma poderosa de aumentar a paz interior e levar a pessoa a estados de plenitude, harmonia e saúde psico-física.



Purusha é o sujeito – aquele que está consciente, aquele que sabe, é a consciência suprema. Prakriti é o objecto, é tudo o que pode ser conhecido, tudo o que vem diante de nós no universo objectivo – seja psicológico ou material. É através da interacção das três forças fundamentais – sattva, rajas e tamas – em equilíbrio entre si, que Prakriti se manifesta como universo. Portanto, tudo o que pode ser conhecido neste mundo, tangível e intangível, é uma manifestação dos guṇas em suas diversas formas.


Os padrões de interacção dos guṇas podem definir as qualidades essenciais de algo ou alguém e esses padrões podem influenciar fortemente o caminho e o progresso da vida. Para os praticantes de yoga, a consciência dos gunas fornece um GPS que nos permite fazer escolhas para sermos mais equilibrados, pacíficos e harmoniosos, dentro e fora do tapete.


Cultivar a consciência de como funcionam os guṇas pode ser uma ferramenta valiosa no caminho espiritual, pois ao apreender a “sensação” de cada guṇa e usar esse conhecimento como guia, podemos avançar em direcção ao reconhecimento do conhecedor (Purusha) em nós próprios, ou seja, cultivar a capacidade de identificar e compreender a natureza dos guṇas aproxima-nos da verdade universal, que é unidade.



Os três gunas: Tamas, Rajas e Sattva


Os guṇas não podem ser separados ou removidos em si mesmo, mas podem ser accionados conscientemente para encorajar o seu aumento ou diminuição. Um guna pode ser aumentado ou diminuído através da interacção e influência de objectos externos, práticas de auto-conhecimento e bem-estar, estilo de vida e pensamentos.



Qualidades dos três gunas

Rajas

Sattva

Tamas

Actividade

Verdade / Bondade

Inércia

Paixão, desejo e apego

Luz , harmonia e equilíbrio

Escuridão, ilusão e ignorância

Energia

Essência espiritual

Matéria / densidade

Fluxo expansivo

Fluxo ascendente

Fluxo descendente

Movimento

Inteligência e consciência

Preguiça e apatia

Vincula através da paixão e dos desejos

Vincula através do apego ao conhecimento e à felicidade

Vincula através da ignorância e obstrução


Estas três qualidades estão presentes em tudo e em todos, só que a sua proporção é diferente, segundo a visão hindu. Normalmente, um dos guṇas está mais presente que os outros três, mas para levar uma vida feliz, saudável, calma e fundamentada precisamos de um equilíbrio entre os três gunas. A quantidade específica de cada um é determinada pelo ambiente, tipo de trabalho realizado, constituição física e objectivos espirituais.


Por exemplo, uma quantidade maior de energia rajásica seria útil para pessoas que são atletas, trabalham em áreas criativas, vivem num ambiente húmido ou para praticantes de yoga que precisam de uma prática mais estimulante.


Embora os próprios guṇas sejam permanentes em essência – tendo surgido da natureza primordial (prakriti) – as suas interacções são transitórias e proporcionam apenas uma falsa impressão de permanência. Desta forma, o jogo dos guṇas obscurece o real (sat), atrai-nos e liga-nos ao que é, em última análise, irreal (asat).




Trabalhando com os Gunas

As qualidades psicológicas da mente são altamente instáveis ​​e podem flutuar rapidamente entre os diferentes guṇas. A qualidade predominante da mente actua como uma lente que afecta as nossas percepções e perspectiva do mundo que nos rodeia.


Assim, uma mente impragnada de Rajas guṇa experimentará os acontecimentos como caóticos, confusos e exigentes e terá uma forte tendência a continuar a reagir aos acontecimentos de forma rajásica.


Para que possamos evoluir na nossa caminhada pessoal, devemos praticar a auto-observação e o discernimento para testemunhar e não reagir às actividades dos guṇas. Devemos também ter força interior e força de vontade para mudar conscientemente os nossos pensamentos e acções de tamas e rajas para equilíbrio e propósito sáttvicos.


O equilíbrio dos guṇas de tudo e de todos pode mudar e muda. Contudo, a mudança numa qualidade enfrenta a inércia de outras duas qualidades na visão de mundo indiana. A mudança necessita de influência ou reforço interno ou externo, como conhecimento e força para transformar. A força para a mudança vem do Rajas guṇa, o Sattva guṇa capacita a pessoa para uma mudança harmoniosa e construtiva, enquanto Tamas guṇa verifica ou retarda o processo.


Contudo, todos os guṇas criam apego e, assim, ligam-se ao ego.

“Quando alguém se eleva acima dos três gunas que se originam no corpo; a pessoa está livre do nascimento, da velhice, da doença e da morte; e alcança a iluminação” (Bhagavad Gita 14.20).

Embora o objectivo do praticante de yoga seja cultivar sattva, o seu objectivo final é transcender a identificação incorrecta do eu com os guṇas e ser desapegado tanto do bom quanto do mau, das qualidades positivas e negativas da vida.




A origem teórica dos Guṇas

A ideia de três tipos de guṇa, natureza inacta e forças que juntas transformam o mundo, é encontrada em inúmeros textos antigos hindus.


Maitrayaniya Upanishad é um dos primeiros textos que faz uma referência explícita à trindade hindu de Brahma, Vishnu e Shiva, ligando-os aos guṇas – como criador/atividade, preservador/pureza, destruidor/reciclador, respectivamente.


A cosmologia da escola filosófica Samkhya considera que os três guṇas estão presentes em todas as coisas e em todos os seres do mundo, e é sua interacção que define o carácter e a natureza física e psicológica de algo ou alguém.


Os capítulos 2, 3, 7, 13, 14, 17 e 18 do Bhagavad Gita discute-se a teoria dos guṇas. O versículo 17.2 refere-se aos três guṇas como natureza inacta (psicologia ou personalidade de um indivíduo). Sattva guṇa é movido pelo que é puro, verdadeiro, compassivo, sem desejo, fazendo o que é certo porque é certo, positivo e bom. Tamas guṇa é movido pelo que é impuro, sombrio, destrutivo, com o objectivo de ferir o outro, desdenhoso, negativo e vicioso. Rajas guṇa é movido pelo ego, por paixão pessoal, activo, ostensivo, buscando a aprovação dos outros.


"A acção virtuosa, ponderada, livre de apegos e sem desejo de resultados é considerada sáttvica; A acção que é motivada puramente pelo desejo de prazer, egoísmo e muito esforço é rajásica; A acção que é empreendida por causa da ilusão, desconsiderando as consequências, sem considerar a perda ou dano aos outros ou a si mesmo, é chamada de tamásica. — Bhagavad Gita, Capítulo 18, versículos 23–25

Nos capítulos 17 e 18, o Bhagavad Gita ilustra vários itens e acções dos três guṇas. Por exemplo, são discutidos três tipos de caridade e o que torna a caridade sáttvica, rajásica ou tamásica. Da mesma forma na alimentação, relacionamentos, conhecimento e acções são detalhados em termos dos três guṇas.


Nos capítulos 14, 17 e 18, Krishna retrata os guṇas com detalhes maravilhosos. Ele começa (no versículo 14.5) descrevendo o seu poder e prossegue fornecendo um relato da natureza de cada guṇa:


A comida que come pode (17,8–10):

  • Promover saúde, força e uma mente agradável (sattva)

  • Ser salgada demais, muito condimentada e/ou picante (rajas)

  • Ser pesada ou doce demais (tamas)


Os presentes que oferecemos aos outros podem ser (17.20-22):

  • Dados na hora certa, sem esperar nada em troca (sattva)

  • Dados com relutância ou com o objectivo de obter a retribuição do favor (rajas)

  • Dados em hora ou local inadequado, com desrespeito ou desprezo (tamas)


A firmeza com que abordamos o nosso caminho espiritual pode (18.33-35):

  • Ajudar-nos a harmonizar a mente, respiração e sentidos (sattva)

  • Depender da vontade egóica, tendo em conta adquirir algo que se deseja (rajas)

  • Preocupar com medos, tristezas e sono excessivo (tamas)


A nossa felicidade pode (18.37–39):

  • Surgir da discriminação interna e aumentar com o tempo (sattva)

  • Ser excessivamente sensual; doce no começo, venenosa no final (rajas)

  • Surgir do sono, letargia e negligência (tamas)



Mais tarde, Krishna resume dramaticamente o escopo das actividades dos gunas:

"Não há nada na terra, no céu, ou mesmo entre os deuses, que esteja livre dos gunas nascidos em prakriti." - BG, versículo 18.40


Guṇa também é um conceito da medicina ayurvédica, como um sistema para avaliar condições e dietas. Por esta razão, triguṇa e tridosha estão relacionados. Na terminologia Ayurveda, guṇa pode-se referir a uma das vinte propriedades fundamentais que qualquer substância pode exibir, organizadas em dez pares de antónimos:

  • pesado/leve,

  • frio/quente,

  • untuoso/seco,

  • opaco/afiado,

  • estável/móvel,

  • macio/duro,

  • não viscoso/viscoso,

  • liso/grosso,

  • minúsculo/grosseiro,

  • viscoso/líquido.



Nos estudos do comportamento humano, Guṇa significa personalidade, natureza inacta, atributos psicológicos de um indivíduo.



Os Guṇas e o Yoga

Para nós, praticantes de yoga, a consciência dos guṇas diz-nos se estamos genuinamente a avançar na vida (sattva), ou se corremos sem sair do lugar (rajas), ou ainda se perdemos o rumo (tamas).


Identificar os aspectos sáttvicos, rajásicos e tamásicos de uma postura de yoga – e depois cultivar rajas e tamas a serviço de sattva – é um método infalível para avançar na sua prática.


Comece a explorar a presença tangível dos guṇas no tapete de yoga.


Por exemplo, imagine que está a executar janu shirshasana, a postura sentada de flexão do tronco sobre uma das pernas, desprovido de atenção plena. À medida que faz a flexão do tronco, sem entusiasmo, em direcção à perna estendida, as suas costas vão curvando, os seus ombros descaindo, o seu pé cai para o lado, a sua cabeça cai para baixo e a sua mente mergulha num devaneio sonolento. Se não fosse uma sensação surda de desconforto na postura, quase que poderia fazer uma soneca! Isto é tamas – uma sensação de letargia e desatenção.


Compare isso com outra ocasião em que, determinado a não ser superado pela pessoa ao seu lado, vai-se esforçando tenazmente na sua postura, lutando dolorosamente para alongar a parte de trás da perna, mas, consequentemente, curva os ombros enquanto se esforça para tocar os dedos dos pés. Ao mesmo tempo, ocorrem-lhe pensamentos do doloroso fim de um relacionamento amoroso, e, para desviar a mente desses pensamentos, fantasia em conhecer a pessoa que está a três tapetes de distância! Isto é rajas – uma porção generosa de agitação, esforço, competitividade, dor e paixão.


Num outro dia, a sua postura revela-se de maneira diferente, a sessão de yoga tem menos praticantes e está de bom humor. Seguindo as dicas do professor, a sua atenção muda interiormente de um elemento da postura para outro, e vê-se a trabalhar num limite desafiador, mas seguro. Prolongando o tempo de permanência na postura consegue sentir mais estabilidade mental, produzindo uma consciência subtil da respiração. E embora muito do que está a fazer seja invisível para as pessoas ao seu redor, a sua mente fica satisfeita e relaxada com os seus esforços internos. Isso é sattva – clareza, atenção plena e uma sensação espontânea de contentamento.


Insira esses mesmos princípios de auto-observação nas actividades diárias e terá o poder de transformar todos os aspectos da sua vida.



Os filósofos Samkhya dizem que a vida existe com o propósito de adquirir experiência e conhecimento do Ser. Os guṇas destinam-se a facilitar esse esforço espiritual. Eles revelam, ocultam e estimulam-nos – tudo com o propósito de nos aproximar de Purusha, o conhecedor. Krishna, a voz do conhecedor, resume esta relação (nos versos 14.19-20, do épico Bhagavad Gita) com uma descrição elevada do objectivo da vida – aquele em que a identificação do ego com as actividades dos guṇas é completamente transcendida. Embora desafiador, este ensinamento milenar continua a inspirar os buscadores hoje:

"Quando aquele que vê não observa nenhum agente de acção (nenhum “fazedor”) além dos guṇas, e conhece o transcendente além dos guṇas, tal pessoa alcança o Meu ser. O portador do corpo, transcendendo esses três guṇas que criam o corpo, livre das tristezas do nascimento, da velhice e da morte, desfruta da imortalidade.


Hari Om

MJ

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