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Filosofia dos Kleshas - Asmita, a falsa identificação


O segundo klesha (aflição da mente) é o véu de ‘Asmita’ (ego).


Quando ouvimos a palavra “ego”, associamo-la à arrogância ou à percepção inflamada de si mesmo. Embora esta associação não esteja errada, é apenas um aspecto daquilo que o ego representa.



Na filosofia yoga, concretamente no aforismo II.6 dos Yoga Sutras de Patanjali, o ego é tudo o que nos impede de ver o nosso Verdadeiro “Eu”, ou seja, a falsa percepção da mente ao tomar o corpo como o Verdadeiro Eu. O problema de nos identificarmos desta forma é que a mente e o corpo estão em constante mudança, enquanto o Verdadeiro Eu (Purusha) permanece constante. Identificamo-nos com o nosso eu limitado quando deveríamos perceber que somos pura e eterna consciência e amor incondicional.


Asmita acontece quando nos identificamos com as partes de nós mesmos que mudam, desde a forma de pensar, as crenças, ideologias, até à aparência física ou ao cargo que assumimos, em vez de reconhecermos o lugar tranquilo dentro de nós que é imutável. Ou seja, Asmita surge sempre que acreditamos que a aparência, ideia, sentimento ou tarefa nos definem ou têm algo a ver com quem somos.


Os rótulos que criamos para nós mesmos são apenas um reflexo daquilo que a mente percebe!


De acordo com a filosofia do yoga, a parte imutável de nós mesmos é conhecida como o “observador” – o cit, drasta (dṛg) ou purusa – aquilo que experimenta ou “vê” o mundo através das lentes da mente. Como Patanjali explica no Yoga Sutra, a mente – que inclui os pensamentos, emoções e a informação sensorial recebida pelo corpo – é o instrumento de percepção através do qual o observador se envolve com o mundo ao seu redor. O observador é o que podemos considerar a voz ou guia interior. Muitas vezes é referido simplesmente como o Eu, a nossa verdadeira essência. É esta essência que o yoga ensina a reconhecer. Essência que permanece estável e imutável, não importa o que aconteça, quer nos sintamos conectados com essa parte de nós ou muito distantes dela.


Asmita, ou falsa identificação, é comum a todos porque as nossas qualidades externas influenciam inevitavelmente a forma como nos vemos. Identificamo-nos com o género, a preferência sexual, a etnia, com aquilo que gostamos (o estilo de música que ouvimos, o yoga que praticamos, etc), com características psicofísicas (altura, cor dos olhos, qualidades de carácter) ou com as tarefas que desempenhamos (profissão, cargo social, papel familiar). O desafio e a grande lição deste sutra é que, embora seja óptimo apreciar e valorizar todos esses aspectos de nós mesmos, se nos apegarmos à identificação destes aspectos mutáveis, Patanjali avisa que nos devemos preparar para o desapontamento e sofrimento. Devemos, sim, desfrutar dos aspectos transitórios do nosso corpo considerando que fazem parte da beleza e da riqueza de estar vivo.



Conectar com o Eu imutável é a solução para asmita, mas esse “eu” pode parecer evasivo e de difícil acesso, especialmente quando lutamos com questões de autoaceitação. Quando a conexão parece difícil de estabelecer, a prática de cultivar sentimentos de gentileza e paciência consigo mesmo, a partir de um lugar de calma e consciência, pode ajudar a aceitar as mudanças inevitáveis do não-Eu.


Um ego verdadeiramente saudável cria os limites necessários para nos manter a funcionar como indivíduos. Mas em vez de se ver limitado pela personalidade, ou de se identificar com os seus pensamentos e opiniões, este ego conhece o verdadeiro “eu”.


No entanto, não é um caminho simples de percorrer, aquele que nos leva desde a identificação com um nome até à identificação com pura presença e amor. Mas a tradição yoga oferece um passo intermédio: a prática do ego puro como simples “eu sou”, sem adjectivo, substantivo ou definição de qualquer género. Em vez de “eu sou alguém” ou “estou cansado”, apenas “eu sou”!


A ponte entre o ego limitado e o eu expandido é o reconhecimento de que por trás de tudo o que atribuímos ao nosso ego está a simples consciência.


O ego do puro “eu sou” experimenta a existência e sabe que está a ter essa experiência. Ele sabe que vive e funciona no corpo, mas é livre da necessidade de se tornar qualquer coisa. À medida que acedemos a esse estado, é possível sentir a presença mais profunda que respira através do corpo e pensa através da mente. Quando estamos em contacto com o ego puro “eu sou”, não é difícil reconhecer que esse mesmo “eu sou” nos liga a todos os outros, não importa quão diferentes eles possam parecer de nós.



A experiência do “eu sou” é natural. É o nosso sentido básico de ser, que nos estabiliza naturalmente e nos faz sentir presentes e em paz. No entanto, para muitos de nós, a consciência do “eu sou” é mais facilmente vislumbrada em momentos de silêncio.


A prática de yoga, principalmente de meditação, leva-nos ao encontro do Eu. A dificuldade reside em manter uma prática consistente, mas a sua natureza simplista revelar-se-á com o tempo. Em primeiro lugar, temos que nos sentir confortáveis com a prática de nos interiorizarmos e ter o desejo de nos ver, de ver a Verdade, mesmo que o ego dê desculpas como 'Não sou bom o suficiente', 'Não preciso fazer isso', 'Já me conheço' ou 'Não sou o tipo de pessoa que consegue meditar.”


Os mesmos pensamentos egóicos, embrenhados na raiz do controlo e do medo, podem ser testemunhados na prática de asanas. Quantas vezes dizemos a nós mesmos que não podemos fazer algo antes mesmo de tentar? Ou que ultrapassamos os limites e, apesar de percebermos isso, continuamos e insistimos?


Com a prática consistente (Abhyasa) os pensamentos (embora alguns possam persistir) começam a esvaziar-se e podemos começar a ver o vasto lago da mente Cósmica, que tudo permeia, reflectindo a alma, nas profundezas do coração, e a nossa relação com o universo. Quando temos um vislumbre disso, a dualidade não existe mais, a unidade de todos os seres é sentida e “o Divino encontra finalmente um canal desobstruído”.


“O método superior de viver a alma liberta o iogue que, despojado da prisão do ego, experimenta o ar profundo da omnipresença.” -Yogananda


Os professores das tradições budista e vedanta gostam de dizer que o ego é como o azul do céu, ou como a aparente poça no meio de uma estrada deserta e seca. É uma ilusão de óptica, um simples erro na forma como nos identificamos. É por isso que lutar contra o ego é como lutar contra o nosso reflexo no espelho ou como tentarmo-nos livrar de algo que não temos. Mas mesmo que o ego possa, em última análise, ser ilusório, no mundo da nossa vida quotidiana ele desempenha funções importantes.


Os textos iogues definem o ego de forma um pouco diferente da psicologia ocidental, mas concordam com os psicólogos ocidentais que uma das tarefas do ego é manter os nossos limites como indivíduos.



Como distin



guir a voz da alma da voz do ego?



O ego e a alma usam linguagens diferentes. O ego fala a linguagem do reino físico, da separação e da matéria. A alma fala a linguagem do reino etéreo, energético, da unidade e totalidade. O ego usa palavras como eu e meu e está focado no próprio bem-estar. A alma usa palavras como nós e nosso e está focada no bem-estar do todo.


O ego é o impulsionador de necessidades pessoais do quotidiano, incluindo as nossas realizações, sonhos e aspirações, bem como as coisas que percebemos como falhas ou erros. Noutras palavras, o ego é a vozinha na nossa cabeça, constantemente a pensar na vida.


O ego:

  • Diz o que “deveria” ou “deve” fazer.

  • Analisa se a vida segue conforme planeado.

  • Critica quando as coisas poderiam ser melhores.

  • Reclama do mundo ao seu redor.

  • Julga a si mesmo e aos outros pelas suas acções.

  • Impulsiona a maioria das emoções diárias.


Superficialmente, parece que o ego nos impede de alcançar níveis mais elevados de consciência, mas o propósito do ego é definir a singularidade da experiência individual, fornecendo contraste, que estimula o crescimento interior. Sem ego, não teríamos o senso de “eu” com o qual enquadramos a nossa experiência do mundo, e sem esse senso de individualidade não seríamos capazes de perceber a profundidade mais ampla do Ser.


O problema é que – para a maioria de nós – o ego domina e controla os pensamentos e acções, sem que nunca tenhamos consciência disso. Na maior parte do tempo, deixamo-nos levar pelo "piloto automático", que sempre opera no tempo, passado ou futuro. Por outro lado, sob o domínio inconsciente do ego, pensamos ser o conjunto de traços e características que incorporamos, ou seja, identificamo-nos com os nossos papéis, cargos, nomes, pronomes e adjectivos. Dizemos coisas como:

  • Eu sou Maria.

  • Eu sou mãe.

  • Eu sou professora.

  • Eu sou inteligente.

  • Eu sou gentil.


Qualquer coisa que venha depois de “eu sou” são símbolos do ego. O ego é a parte de nós que se identifica com os pensamentos e acções do mundo, pois esse é o grande propósito desta estrutura psíquica: a acção.


A essência (alma) é muito mais profunda e está relacionada a uma sensação de alegria, felicidade, amor e luz. Essa alegria é uma profunda sensação de paz e bem-estar que se origina profundamente dentro de nós.


Os pensamentos orientados pelo ego vêm da mente lógica e analítica. Frequentemente, eles são de natureza linear e mentais. Quando agimos a partir do domínio do ego, os pensamentos geram pensamentos em resposta aos pensamentos, tornando a mente super agitada, pouco centrada e nada presente no momento.


Os pensamentos que vêm da energia espiritual interior (também conhecida como Atma, em sânscrito, que se pode traduzir como Alma, Espírito, Fonte ou seu Eu Superior), raramente são lineares. Muitas vezes, nem parecem pensamentos, mas antes certezas, convicções, saberes inquestionáveis, mais completos, holísticos ou abrangentes que os pensamentos. Temos a sensação de que não conseguimos articular o pensamento do espírito, pois simplesmente sabemos que sabemos. Esta é uma característica primária da comunicação com sua mente intuitiva, ou Eu Superior.


A alma não é o corpo físico, nem os pensamentos, emoções ou sensações físicas. A alma é quem os experimenta. A alma é a eterna observadora, aquela que vivencia a experiência física. É o aspecto que compreende a unidade, o todo e a energia na forma etérea.


O ego é subjectivo e a alma objectiva. O ego é inteligente e a alma é sábia. O ego vem de energias de baixa vibração como o medo. A alma vem de energias de vibração mais elevada de amor, paz e calma. O ego vem da perspectiva do nosso corpo físico e vê o mundo através dos filtros limitados de sensação física, pensamento e emoção e de uma única experiência pessoal. A alma vem da perspectiva do eu superior, observando à distância, sem os filtros do corpo humano individual e conectada à sabedoria da Fonte.



A alma e o ego existem para nos ajudar a compreender a separação e a unidade simultaneamente. Ambos são ferramentas valiosas para nos ajudar a navegar no mundo físico. No entanto, é fundamental cultivar a autoconsciência e o espírito crítico para manter o ego sob vigilância de modo a evitar o seu domínio sobre todos os aspectos da nossa vida.


Quando equilibramos o ego e a alma, resgatamos o nosso poder pessoal, que é universal!


Namaste!

Maria João


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