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Dvesha (a aversão), o klesha que evita o sofrimento



duḥkha = doloroso; insatisfação (é um sentimento de precariedade generalizado e persistente; um terreno fértil para o crescimento dos medos, como refere o sutra I.31)

anuśayī = apego a; descansando, segue (Ver sutra II.7)

dveśaḥ = aversão; ódio, antipatia, repugnância, inimizade, aversão, de dviś = inimigo


Aversão (dvesha) é uma modificação que resulta da miséria associada a alguma memória, por meio da qual as três modificações de aversão, dor e memória do objecto ou experiência são então associadas umas às outras (dukha anushayi dvesha)

Partindo do princípio que ninguém vive à procura de experiências dolorosas, este sutra não se refere às situações dolorosas em si, mas sim ao sentimento de aversão que desenvolvemos em relação a elas. Quando nos fechamos ou afastamos dos desafios e dificuldades inevitáveis – uma parte importante das experiências de vida – corremos o risco de perder as oportunidades de aprender e crescer com elas.


Quando surge algo que consideramos negativo, tentamos evitá-lo, repará-lo, fazê-lo desaparecer ou qualquer outra coisa para evitar enfrentar o desagrado. Podemos até ficar com raiva dos nossos problemas ou a sentirmo-nos vítimas da vida. Dvesha é quando evitamos activa ou inconscientemente coisas que rotulamos de alguma forma como indesejáveis. Podemos evitar um determinado lugar, uma conversa difícil, uma nova oportunidade, porque de alguma forma associamos isso à dor.


Para agravar esta tendência, as nossas mentes tendem a categorizar coisas relacionadas, mesmo que não as tenhamos experimentado directamente. Isso pode fazer com que excluamos inconscientemente coisas que podem realmente ser benéficas para nós ou evitemos experiências que poderiam enriquecer as nossas vidas.

A aversão é, na verdade, outra forma de apego. É o que tentamos afastar mentalmente, mas esse afastamento também é uma forma de conexão, assim como o apego é uma forma de nos atrair. No fundo, Dvesha é uma parte natural do processo universal, à medida que construímos um equilíbrio mental precário entre as muitas atracções e as muitas aversões.


A aversão nem sempre é consciente; ela pode ser muito subtil e essa subtileza só é revelada com uma meditação mais profunda. No entanto, também pode ser bem visível, num nível mais superficial, onde começa o processo de testemunhar as nossas aversões.


Ainda assim, em relação aos padrões de pensamento individuais, a aversão pode ser mais fácil de perceber do que o apego, pois muitas vezes há uma resposta emocional, como raiva, irritação ou ansiedade. Essa resposta emocional pode ser ligeira ou intensa, mas tem expressão no corpo físico, através das sensações físicas, e, por isso, testemunhar a sua acção e influência pode acontecer facilmente no dia-a-dia. Gradualmente, através do processo de atenuação, podemos verdadeiramente tornar-nos testemunhas de todo o fluxo do processo de pensamento. Isso prepara o terreno para uma meditação mais profunda.




Como as aversões nos podem condicionar?



Na maioria das vezes, as situações desagradáveis ou difíceis podem proporcionar as maiores e melhores lições de vida. Dvesha pode fazer com que evitemos coisas que deveríamos enfrentar.


Quando enfrentamos obstáculos, pode parecer que não temos sorte, que falhamos, ou que a vida é inútil. Pode ser difícil ver como a situação pode funcionar a nosso favor, ou o seu propósito maior. Naquele momento, só queremos que tudo acabe. A aversão impede-nos de abraçar as dificuldades da vida como oportunidades de crescimento e de aquisição de sabedoria.


A vida é uma professora, às vezes gentil, mas muitas vezes um pouco mais directa e severa. Quando temos uma lição a aprender, as circunstâncias da vida começam a guiar-nos para a realização dessa lição. Com a aversão, ignoramos a orientação da vida ou tentamos activamente combatê-la, pois o medo de a enfrentar é desagradável e, no mínimo, desconfortável. Quando temos uma lição a aprender, mas evitamos abordá-la por causa de dvesha, o Universo continuará a apresentar essa situação até que a consigamos encarar e integrar, compreender e aceitar ou operar mudanças, às vezes de maneiras cada vez mais intensas, até que a "lição" seja aprendida.


A aversão cria julgamento e provoca medo em relação a coisas que não nos são familiares ou com as quais tivemos uma experiência negativa no passado. Dvesha pode até levar-nos a categorizar as coisas com base na nossa percepção de semelhança. Este tipo de pensamento crítico causa sofrimento tanto a nível individual como global.


Consequências de Dvesha:

  • Medos/ansiedade

  • Isolamento

  • Rigidez/incapacidade de ser flexível

  • Julgamento

  • Estagnação


A ansiedade resulta de uma situação difícil, que exige coragem, fé, criatividade ou persistência para a superar. Situações que parecem apertadas, presas e com poucas ou nenhumas opções fazem parte dos desafios que enfrentamos na vida. E, embora as experiências desagradáveis tragam consigo uma carga ansiosa, a nossa resposta à ansiedade não precisa necessariamente ter origem no medo. Ao compreender isso, ao eliminar da lista de medos as situações geradoras de ansiedade, libertamos a mente de um grande fardo. Experimentamos menos ameaças e mais desafios. É mais provável que percebamos o desafio com precisão e apelemos aos nossos impulsos criativos para resolver o problema, convocando a nossa fé para suportá-lo com tranquilidade.


O medo é um tipo de paralisia mental. É sempre uma reacção contra uma possível perda futura. É uma mente tirada do presente que, em vez disso, contempla as consequências terríveis e dolorosas que podem surgir no caminho. O medo alimenta destinos imaginários.



A fé é o melhor antídoto tanto para o medo quanto para a ansiedade. A palavra para fé em sânscrito é shraddha, que significa literalmente manter um coração puro. Através do Yoga, aprendemos a ter confiança crescente nos caminhos e na sabedoria da vida. Quando estamos numa situação difícil, aprendemos a fazer uma pausa, a recompormo-nos e a voltar ao nosso centro. É então que, muitas vezes, começam a surgir opções criativas.




Como reduzir o impacto que Dvesha tem na nossa vida?


Tal como acontece com qualquer um dos kleshas, a consciência da sua manifestação nas nossas vidas é o primeiro passo para superá-la. Quando conseguimos ver claramente as formas pelas quais evitamos as experiências dolorosas, podemos usar essa consciência para investigar a aversão.


Portanto, abordar dvesha com curiosidade e discernimento é uma forma de difundir o seu poder sobre as nossas mentes e vidas. Através da consciência, da aceitação e da atenção plena, podemos superar a aversão e o sofrimento que ela causa.


Tal como acontece com todos os kleshas, a consciência da forma como eles se manifestam em nós é a chave para os superar. Com dvesha, é útil estar atento à forma como evitamos as coisas, mesmo as mais pequenas e insignificantes.


Uma das maneiras de lidar com dvesha é desafiando-nos a ver as coisas como neutras, em vez de as rotular de “boas” ou "más". E isso não é fácil nem simples de fazer. Acontecimentos como acidentes ou doenças parecem sempre negativos, enquanto acontecimentos como uma promoção ou o nascimento de um bebé parecem positivas. Mas o desafio na vida de um yogui é ver as situações e circunstâncias da vida exactamente como são, abandonando os rótulos e as associações que o ego lhes atribui. Quando somos capazes de adoptar este tipo de pensamento de neutro, equinânime, deixamos de lado o medo que a aversão cria.


O caminho para superar raga (apego às paixões) e dvesha (apego às aversões) é praticar aquilo que os yoguis chamam de desapego, a compreensão de que todas as coisas mundanas, títulos e até relacionamentos são temporários. Se não atribuirmos a nossa felicidade às coisas, ou não as evitarmos por medo, poderemos apreciar as experiências da vida da forma como deveriam ser apreciadas.




O sofrimento é um facto, é condição humana. A filosofia dos kleshas sugere que, em vez de estruturarmos as nossas vidas para evitar o sofrimento, simplesmente abraçamos a inevitabilidade desta parte da experiência humana.


Evitar o sofrimento, como objectivo do apego à aversão, também pode ser visto como um componente da nossa busca constante pelo prazer. Mas quando aceitamos e acolhemos o sofrimento, em vez de agirmos com medo para o evitar, simplesmente percebemos que o sofrimento, assim como a alegria, é algo que está para além do nosso controle. Percebemos que, em vez de tentar controlar o externo, podemos mudar o nosso foco para o interno, para a nossa reacção no momento presente.


Outra razão para abraçar as dificuldades são as experiências de aprendizagem únicas que elas proporcionam. Olhando para trás, os momentos mais difíceis da minha vida foram sempre os momentos de mudanças mais profundas. Ao enfrentar desafios, aprendi que as minhas capacidades muitas vezes excediam as minhas expectativas e, ao enfrentar esses desafios, fui elevada a novos níveis de competência e consciência. Esses momentos de sofrimento, então, foram na verdade portais para novos níveis de consciência e conexão.


Ao compreender, aceitar e integrar Dvesha, somos capazes de entrar plenamente no momento presente, livres do medo, libertando expectativas e permanecendo abertos às lições da Alma!


Hari Om

(Assim é, assim seja!)

MJ

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