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Abhinivesha, o medo da morte

O quinto e último klesha é Abhinivesha. Trata-se de uma camada de medo que se acrescenta a uma atracção (raga) ou a uma aversão (dvesha). Isso acontece porque, assim que uma atracção aparece, surge também o medo de a não conseguir obtê-la, ou de perdê-la quando se a tem; e quando uma aversão aparece, há, inerentemente, o medo de conseguir aquilo que não queremos, ou de que não irá embora, que ficará.


Uma atracção ou aversão é como uma entidade viva em si mesma que leva a sua própria vida, e tal como nós queremos viver, estas tendências também querem viver, e tal como nós não queremos morrer, elas não querem morrer. Por isso, os apegos protegem o ego adicionando uma camada de medo, designado abhinivesha.



sva-rasa-vahi = fluindo em seu próprio impulso (sva = próprio; rasa = inclinação, impulso, potência; vahi = fluindo)

vidushah = na pessoa sábia ou erudita

Api = par

Tatha = do mesmo jeito

rudhah = firmemente estabelecido

abhiniveshah = resistência à perda, medo da morte da identidade, desejo de continuidade, apego à vida.


Mesmo para aquelas pessoas que são instruídas, existe um amor constante e firmemente estabelecido pela continuação e/ou um medo da cessação, ou morte, destas várias modificações mentais (kleshas).



Uma vez que a ignorância ou desconhecimento da nossa verdadeira natureza (avidya) acontece, e a individualidade (asmita) surge, associada às atracções (raga) e aversões (dvesha), há um desejo natural de proteger esse equilíbrio precário de identidades falsas. Uma vez alcançado o equilíbrio entre as muitas atracções e aversões, além de ter o eu fundamental e a ignorância espiritual, surge um desejo inacto de manter as coisas como estão.


A resistência em perder o delicado equilíbrio entre as identidades falsas é chamado medo da morte dessas identidades.


Existem duas inclinações naturais após a construção das falsas identidades individuais:

  • Amor pela continuação: A falsa identidade é fortemente apegada à vida. Assume-se como sendo “eu”, embora seja uma construção de atracções e aversões. Até mesmo as aversões são apegos, como parte do acto de equilíbrio da falsa identidade.

  • Medo de interrupção: Qualquer ameaça percebida por essas identidades falsas é considerada uma ameaça de cessação ou morte. Não é apenas o medo da morte do corpo físico (embora esse possa ser o apego mais forte), mas também o medo da morte de qualquer uma das identidades falsas.


Existe uma resistência e um medo que acompanha a possibilidade de perder a situação actual. É como o medo da morte, embora não signifique apenas a morte do corpo físico. Muitas vezes, esse medo não é vivenciado conscientemente. É comum que uma pessoa novata na meditação diga: “Mas não tenho medo!” Então, depois de algum tempo surge um medo sutil, à medida que a pessoa se torna mais consciente do processo interno.


O medo é natural: é uma parte natural do processo de desbaste da espessa manta de padrões de pensamento. Há um reconhecimento de que devemos abandonar os nossos apegos e aversões inconscientemente interiorizados. Quando a meditação é praticada de maneira suave e sistemática, esse medo é visto como um obstáculo menor.


É muito comum cair na armadilha de pensar que os estudos intelectuais e a compreensão são suficientes no caminho espiritual. Isto é particularmente verdadeiro em relação a práticas como as descritas nos Yoga Sutras, onde se pode fazer análises e debates intermináveis dos aforismos que compõem estas escrituras. A compreensão intelectual não oferece protecção alguma em relação aos kleshas, nem ao medo natural que surge quando pensamos no desaparecimento inevitável do ego.


Estamos tão envolvidos nos nossos apegos e aversões que até mesmo ler sobre o assunto pode ter pouco efeito. Continuamos a dizer: “Mas eu sou isto ou aquilo; quero isto ou aquilo” e tendemos a querer apenas abandonar os kleshas que são dolorosos, enquanto nos apegamos aos que são prazerosos.


Mas o yogui que pratica com disciplina e consistência vai, gradualmente, tomando consciência como até mesmo os apegos prazerosos contêm a semente da dor e, portanto, também devem ser deixados de lado, deixando-se verdadeiramente descansar na real natureza do Ser.




Existem três razões para o medo da morte:


  1. O primeiro é o medo da mudança. A maioria de nós gosta do status quo. A morte é, certamente, uma mudança. Raramente tememos a mudança se tivermos certeza de que será melhor do que o que temos agora. Mas a morte é temida porque não temos certeza se ela será melhor. É como se o nosso medo ficasse justificado pela incerteza. Sabemos, subconscientemente, que o que acontece depois da vida é uma consequência directa dos nossos pensamentos, palavras e acções enquanto vivemos. A solução: meditar sobre o apego à estagnação; meditar para explorar o que em mim teme mudar; meditar para me libertar do samskāra, o ciclo repetitivo de morte e renascimento.

  2. O próximo é o medo do desconhecido. Talvez o desconhecido seja mais alegre. Talvez seja mais miserável. Não sei. Portanto, eu temo isso. Para a maioria de nós, a morte é desconhecida. A solução: Meditar sobre esse medo. Pergunte-se por que não confia.

  3. O terceiro é o medo causado pela lembrança da dor de uma experiência semelhante. Esta é uma realização incrível. Certamente nem todos temem a mudança e o desconhecido. No entanto, Patanjali afirma que todos nós tememos a morte. Se isto for verdade, então será que a memória da dor de uma experiência semelhante no passado está a criar o medo desta vez? Talvez as nossas vidas passadas não tenham sido tão limpas a ponto da nossa morte ter sido uma experiência agradável. Talvez o medo da morte seja menor naqueles de nós que viveram vidas elevadas, cheias de bondade e amor. A solução: o auto-conhecimento por meio da meditação e procurar viver uma vida elevada, honesta e sem ego. Abrir os nossos corações e amar profundamente para que não haja arrependimentos. Explorar, descobrir e viver a nossa missão (dharma) na vida para que sintamos que estamos cumprindo o propósito do nosso Espírito. Afinal, o nosso medo da morte nunca é tão grande quanto o nosso medo de não ter vivido plenamente.



“Embora na vida nos esforcemos com orgulho para possuir As muitas coisas que nos dão influência, Tudo o que seguramos nas nossas mãos frias e mortas É o que Tu me deste." - Provérbio védico




Tomando consciência de como abhinivesha nos afecta


Para avançar em direcção ao destemor, removendo ou descolorindo a camada de abhinivesha, primeiro temos que reconhecer que temos medos! Estamos carregados de medo, mas muitos medos estão escondidos no profundo inconsciente. Esses medos influenciam as nossas acções, pensamentos e forma de comunicação.


Assim como a superfície de um lago é influenciada pelas correntes que acontecem abaixo da superfície, o corpo e sua linguagem corporal também são um reflexo dos movimentos que ocorrem nas camadas mais profundas do seu ser. O corpo e a sua linguagem corporal expressam os pensamentos, as emoções e também os medos que se movem no campo mental consciente e inconsciente. Saber como o corpo e sua linguagem corporal refletem o medo, dá-lhe a oportunidade de o observar através dos comportamentos. Quando começamos a entender a nossa linguagem corporal conseguimos mais facilmente identificar o medo porque o corpo se comporta de uma certa maneira! Alguns exemplos: roer as unhas, abanar a perna, mexer os dedos ou morder o lábio. O medo tem influência no sistema nervoso, portanto, o stress e a rigidez muscular são sintomas de medo. O medo também influencia a respiração, assim como o processo de pensamento.


Para tomar consciência deste klesha, observe e obtenha experiências directas sobre abhinivesha na sua vida diária, não apenas uma compreensão intelectual, e encontre os seus próprios exemplos de medo. Pode fazer isso aprendendo a dialogar com a mente; com a totalidade da mente, com um desejo, vontade, ou padrão de hábito específico, com uma função da mente, ou com qualquer coisa que surja em seu campo mental. Faça uma pergunta e abra-se para as respostas da mente, ouvindo o que surge. Poderá pedir à sua mente que lhe mostre os medos que estão armazenados no campo mental e como eles se expressam, como eles influenciam o resto da mente. Poderá dialogar com um medo específico, perguntar por que ele existe e como pode ser reduzido, ou pedir à sua mente que lhe mostre todas as coisas que você não quer perder ou que não deseja experimentar.


Outra forma de abordar abhinivesha é contemplar um estado de destemor. Sente-se calmamente e reserve algum tempo para reflectir sobre coragem, audácia e determinação. Como seria isso? Estar completamente sem medos? Consegue imaginar tal estado de ser?

Poderá, ainda, reflectir sobre a questão; quem é que tem ou experimenta medo?


Lembre-se que é Consciência sem forma e não-dual, e que uma parte aparente dessa consciência, que agora está velada por avidya, aparece como separada e pode assumir atracção e aversão, o que resulta em abhinivesha, esquecendo a sua verdadeira natureza. Quando reconhecemos a nossa natureza unitária, compreendemos temporariamente que não há nada a temer; quando houver apenas um, quem terá medo de quem?


OBSERVAÇÃO DIÁRIA E AVALIAÇÃO DE AUTOCONSCIÊNCIA IÓGICA

À medida que ampliamos a nossa autoconsciência, descobrimos que não somos quem experiencia Abhinivesha, mas sim quem testemunha este conceito em acção. Portanto, o medo tem que ser transcendido, pois quem realmente somos está para além do medo. Tal perspectiva, aumenta o desapego em relação a abhinivesha.



“O homem moderno está cheio de medos e não examina esses medos. Você deveria aprender a sentar e examinar seus medos. O homem moderno quer aproveitar a vida, quer ter uma vida alegre, mas permanece sob a pressão dos medos: medo de não conseguir o que quer, medo de perder o que tem. Isso não permite que ele aproveite a vida. Portanto, devemos ter compreensão para não alimentar medos.” - Swami Rama, in: Viver conscientemente


Deixo a sugestão de um vídeo:



Hari Om

MJ



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