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A filosofia dos Kleśāḥ (causas do sofrimento humano) - Avidyā, a raiz de todos os males



Vimos, no artigo anterior, que Abhyāsa e Vairāgya são prescritas pelo sábio Patanjali como remédios para atenuar os efeitos que os Vrittis (agitações da mente, padrões de pensamento limitantes) provocam na nossa percepção e comportamento, e que nos conduzem ao sofrimento.


Estes padrões de pensamento limitantes estão relacionadas com a ignorância, individualidade, apegos, aversões e medos, mas a simples observação para identificação da qualidade desses pensamentos é uma parte extremamente útil no processo de purificação, equilíbrio, estabilização e aquietação da mente, de forma que a meditação profunda possa acontecer.


Neste artigo, veremos quais os males da mente para os quais o referido "remédio" é indicado.



Filosofia dos Kleśāḥ


No Yoga Sutra I.5, Patanjali descreve o pensamento humano dividindo-o em duas categorias: Klishta e Aklishta.


vrittayah = os vrittis são

pancatayah = cinco invólucros (e dois tipos); panch significa cinco

klishta = colorido, doloroso, aflitivo, impuro; a raiz klish significa causar problema; (klesha é a forma substantiva do adjetivo klishta)

aklishta = não colorido, não doloroso, não aflitivo, puro; não impregnado com kleshas; a raiz "a" significa sem ou na ausência de, portanto, sem a cor denominada klishta.

 

De acordo com este sutra, todos os pensamentos humanos acompanham algumas emoções. Alguns pensamentos carregam felicidade, paz, clareza e sentimentos neutros. Estes pensamentos ou vrittis são designados Aklishta vritti, ou seja, pensamentos não acompanhados por kleshas, não dolorosos. Por outro lado, alguns pensamentos carregam confusão, dor, medo, tensão e ansiedade. Estes padrões de pensamento ou vrittis são chamados de Klishta vritti, ou seja, pensamentos acompanhados por klesha e, portanto, dolorosos. 


Klesha, Kleśāḥ ou Kleśa (क्लेश) é um termo sânscrito que se traduz como obstáculo, aflição, veneno, dor e angústia, referindo-se a pensamentos que geram dor na nossa experiência corpórea. Eles impedem-nos de ver as coisas como elas realmente são e dificultam a nossa percepção. Podem criar perturbações poderosas no nosso mundo interior e actuar como veneno nas nossas vidas. Também podemos ver os cinco kleshas como aflições mentais ou emoções aflitivas.


Os kleshas são mencionados nas escolas filosóficas hindus e nas diferentes tradições budistas. Um dos grandes ensinamentos de Buda considera que, para realizar o eu, todo aquele que nasce deve conhecer 4 nobres verdades:

  • Há sofrimento (dukkham), que vem com a existência da vida

  • Causas desse sofrimento

  • Eliminando as causas do sofrimento

  • Nobre caminho óctuplo para acabar com o sofrimento (alcançar a libertação).


Nesta tradição, são categorizados 108 sofrimentos humanos, representados nas contas do rosário budista. São eles:

  • 6 sentidos (visão, olfato, audição, tato, paladar e consciência)3 reacções através de cada sentido (positivo, negativo, neutro)

  • Apego ou desapego a cada reacção (2)

  • Paixão do passado, presente ou futuro (3)

 

Há semelhança do budismo, na tradição Yoga, bem como na visão da escola filosófica Vedanta, são descritos cinco Kleshas como obstáculos no caminho espiritual, que são causa raiz de toda a dor e sofrimento na experiência humana. Eles causam tendências para acções com consequências indesejáveis (neste contexto, “consequências” nos Sutras é traduzido como “karma”). Perdemos o discernimento quando vivemos a vida com base nos kleshas.


O sofrimento que os Sutras descrevem é causado por mudanças do mundo exterior que perturbam o nosso mundo interior. Também é causado por samskaras (desejos), vritti (concepções erróneas), impressões e conflitos.

 

Quando o sofrimento é causado por mudanças na vida, por exemplo, podemos manter uma atitude saudável pois sabemos que qualquer mudança pode causar dor, se tivermos essa consciência, apercebemo-nos de que a mudança faz parte da vida. Se nos apegarmos demasiado a coisas antigas (mesmo que nos tenham causado felicidade), isso convidará ao aparecimento de dor quando elas já não nos puderem dar o mesmo tipo de alegria. Por isso, ter consciência dos kleshas antes que eles causem uma sensação negativa de sofrimento é importante para o nosso crescimento pessoal e espiritual.

 

Os sutras mencionam que os cinco kleshas devem ser abandonados ou cortados assim que começam a crescer ou a surgir. Estes cinco obstáculos tornam as nossas vidas mais difíceis do que precisam de ser! Impedir que os kleshas criem raízes profundas dentro de nós ajudará a aprofundar a nossa prática e a alcançar a libertação e a voltar a estar em contacto com o nosso verdadeiro eu.



Ganesha, o Deus Hindu que remove todos os obstáculos

 


Avidyā, a raiz de todos os males


O primeiro Klesha, Avidyā, é uma falta de compreensão fundamental que somos parte integral de um plano maior. É um senso básico de separação do mundo em que vivemos e do nosso criador, o que resulta num contínuo sofrimento e ansiedade existenciais. Pode ser entendido como a ignorância que possuímos com relação a nossa verdadeira natureza, que é essência. Essa ignorância é devida ao envolvimento de faculdades externas com o mundo materialista em que vivemos.


A palavra vidya é derivada da raiz sânscrita vid, que significa "saber, perceber, ver, entender". Então avidya significa "não saber". Em palavras simples, vidya seria discernir correctamente o que é eterno e o que é passageiro. E avidya é o seu oposto, é a falta de discernimento entre o real e o fantasioso.


Essa diferença entre o eterno e o perecível foi ilustrada de forma quase infantil pela religiosidade com a dualidade bem/mal, ou entre as coisas do céu – eternas e divinas – e as coisas do mundo – impermanentes e profanas.


A confusão interior causada por avidya sujeita os seres ao desespero da falta de controle porque não se sabe discernir o que é controlável do que não é. Também sujeita os seres ao desejo, porque não se distingue correctamente o que de facto seria alimento do ego do que seria felicidade duradoura para o ser.


Com um conhecimento correcto sobre si, não estamos emocionalmente sujeitos a imprevistos, a mudanças bruscas, ao medo do futuro; estamos seguros a uma fonte permanente, fixa, duradoura e estável; saberíamos, também, priorizar as lutas que trarão frutos duradouros.


Mas como a avidya afasta a consciência da fonte criadora, ela faz o ser criar dependência da permanência aparente da realidade percepcionada e isso é o que causa o desejo que leva ao sofrimento, porque desejamos o que é passageiro e perecível.

 

Patanjali descreve avidya, no sutra II.4, referindo que é um estado quando:

  • O impermanente é percebido como permanente,

  • Impuro é percebido como puro,

  • Uma coisa que faz sofrer é percebida como um prazer

  • O eu irreal é percebido como o eu verdadeiro

 


Mas este conhecimento leva a uma indagação: como encontrar e manter esse espaço de estabilidade interna?


O primeiro passo é desenvolver outros tipos de inteligências que não a racional.


A razão é uma ferramenta importante para conhecer a parte mutável do mundo mas, para isso, ela procura padrões e faz previsões. Tudo para se proteger do imprevisível. Porém, não há como evitar o imprevisível!


No mundo emocional, a razão utiliza os confrontos com o imprevisível para criar condicionamentos e, de novo, prever possíveis ameaças. A razão serve, portanto, para calcular, mesmo que de forma inconsciente.


Já a inteligência emocional, espiritual e intuitiva, leva-nos a aceitar o que é imutável no mundo e a aproveitar a vida como ela é. Neste contexto, leva-nos a buscar dentro de nós a fonte de paz e estabilidade.


Por isso é tão importante, fundamental até, que consigamos desenvolver a inteligência espiritual para sair do estado de imediatismo e excesso de controle. Só assim, vamos conseguir perceber o que, de facto, importa na vida e o real sentido da nossa existência.

 

Esquecer ou não ter consciência do facto de que somos seres espirituais permanentes a experimentar a vida humana impermanente é Avidya, a maior causa dos sofrimentos humanos e a causa raiz dos outros 4 Kleshas, que iremos abordar nas próximas publicações do blog PuroPrana.


Namaste!

Maria João


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